sexta-feira, 25 de março de 2016

"Dos Crimes Contra a Honra"




O Capítulo V do Título I da Parte Especial do Código Penal Brasileiro trata “Dos Crimes Contra a Honra”. Honra é a faculdade de apreciação ou senso que se faz acerca da autoridade moral de uma pessoa consistente na sua honestidade, no seu bom comportamento, na sua respeitabilidade no seio social.

O conceito de honra abrange tanto aspectos objetivos como subjetivos onde, aqueles, abrangem o julgamento que a sociedade faz do indivíduo, vale dizer, é a imagem que a pessoa possui no seio social, enquanto estes representam o julgamento que o indivíduo faz de si mesmo, ou seja, é um sentimento de autoestima. Há também quem diferencie a honra comum – inerentes a todas as pessoas – da honra especial – relativa a certos grupos sociais ou a determinados indivíduos com seus específicos misteres, porém, esta distinção não será analisada neste artigo, posto que, apenas o conceito “aberto” já se faz suficiente nesse momento.

No citado capítulo, temos a presença de três modalidades de crimes que violam a honra, seja ela objetiva ou subjetiva: a calúnia, a difamação e a injúria, os quais estão contidos nos artigos 138, 139 e 140, respectivamente. Tais crimes causam, com frequência, dúvidas entre os profissionais da área jurídica, pois a distinção entre eles é sutil e pode confundir.

A calúnia é o mais grave de todos os crimes contra a honra previstos pelo Código Penal. Na narração da conduta típica, a lei penal aduz expressamente à imputação falsa de um fato definido como crime. Assim, podemos indicar os três pontos principais que especializam a calúnia com relação às demais infrações penais contra a honra, a saber:

a) A imputação de um fato;

b) Esse fato imputado à vítima deve, obrigatoriamente, ser falso;

c) Além de falso, o fato deve ser definido como crime.

Segundo o professor Rogério Greco, “Também ocorrerá o delito de calúnia quando o fato em si for verdadeiro, ou seja, quando houver, realmente, a prática de um fato definido como crime, sendo que o agente imputa falsamente a sua autoria à vítima. Dessa forma, tanto ocorrerá a calúnia quando houver a imputação falsa de fato definido como crime, como na hipótese de o fato ser verdadeiro, mas falsa a sua atribuição à vítima” – grifo nosso – (Rogério Greco, p. 334).

Obs 01: atribuição de fato: costuma-se confundir um mero xingamento com uma calúnia. Dizer que uma pessoa é “estelionatária”, ainda que falso, não significa estar havendo uma calúnia, mas sim uma injúria. O tipo penal do art. 138 exige uma imputação de fato criminoso, o que significa dizer que “no dia tal, às tantas horas, na loja Z, o indivíduo emitiu um cheque sem provisão de fundos”. Sendo falso esse fato, configura-se a calúnia.

Obs 02: contravenção penal: não pode haver calúnia ao se atribuir a terceiro, falsamente, a prática de contravenção, pois o tipo penal menciona unicamente crime. Trata-se de tipo penal incriminador de interpretação restritiva. Nesse caso, pode-se falar em difamação.

Obs 03: consumação: considera-se o delito consumado quando a imputação falsa chega ao conhecimento de terceiro (atinge a honra objetiva). Se a atribuição falsa de fato criminoso dirigir-se direta e exclusivamente à vítima, configura-se a injúria, pois ofendeu-se somente a honra subjetiva.

Difamar significa desacreditar publicamente uma pessoa, maculando-lhe a reputação. No contexto do crime do art. 139, não se trata de qualquer fato inconveniente ou negativo, mas sim de fato ofensivo à sua reputação. Com isso, o legislador excluiu os fatos definidos como crime – que ficaram para o tipo penal da calúnia – bem como afastou qualquer vinculação à falsidade ou veracidade dos mesmos. Assim, difamar alguém implica em divulgar fatos infamantes à sua honra objetiva, sejam eles verdadeiros ou falsos.

Igualmente como no delito de calúnia, na imputação de fato, é preciso que o agente faça referência a um acontecimento, que possua dados descritivos como ocasião, pessoas envolvidas, lugar, horário, entre outros, mas não um simples insulto. Dizer que uma pessoa é caloteira configura uma injúria, ao passo que espalhar o fato de que ela não pagou aos credores “A”, “B” e “C”, quando as dívidas X, Y e Z venceram no dia tal, no mês tal, configura a difamação.

Pune-se o crime de difamação quando o agente agir dolosamente. Não há a forma culposa. Exige-se, majoritariamente (doutrina e jurisprudência), o elemento subjetivo do tipo específico, que é a especial intenção de ofender, magoar, macular a honra alheia (está implícito no tipo). Se uma pessoa falar a outra sobre um fato desairoso atribuído a terceiro com animus narrandi, ou seja, a vontade de contar algo que ouviu, buscando, por exemplo, uma confirmação, não se pode, nesse caso, embora atitude antiética, dizer que tenha havido uma difamação. Nesse caso, houve o preenchimento do tipo (dolo), mas não a específica vontade de macular a honra alheia (o que tradicionalmente chama-se “dolo específico”).

Também, como na calúnia, a consumação da difamação se dá quando a imputação infamante chega ao conhecimento de terceiro, que não a vítima, posto que, se a atribuição de fato negativo for dirigida exclusivamente à vítima, configura-se a injúria, pois a única honra afetada seria a subjetiva.

Injuriar significa ofender ou insultar, mas é preciso que a ofensa atinja a dignidade (respeitabilidade ou amor-próprio) ou o decoro (correção moral ou compostura) de alguém. Portanto, é um insulto que macula a honra subjetiva, arranhando o conceito que a vítima faz de si mesma.

Como regra, na injúria não existe imputação de fatos, mas sim, de atributos pejorativos à pessoa do agente. Dessa forma, chamar alguém de bicheiro configura-se como injúria; dizer à terceira pessoa que a vítima está “bancando o jogo do bicho” caracteriza difamação.

São inigualáveis as linhas escritas por Hungria, nas quais ele procura demonstrar a diversidade dos meios e formas que podem ser utilizados no cometimento do delito de injúria: “Variadíssimos são os meios pelos quais se pode cometer a injúria. São, afinal, todos os meios de expressão do pensamento: a palavra oral, escrita, impressa ou reproduzida mecanicamente, o desenho, a imagem, a caricatura, a pintura, a escultura, a alegoria ou símbolo, gestos, sinais, atitudes, atos. (...). Da injúria oblíqua distingue-se a injúria reflexa, isto é, a que atinge também alguém em ricochete. Exemplo: quando se diz de um homem casado que é ‘cornudo’, injuria-se também a sua esposa” (Hungria, 1958 apud Rogério Greco; Greco, 2011).

No art. 140, § 2º, a injúria aparece de forma qualificada. A violência implica na ofensa à integridade corporal de outrem, enquanto a via de fato representa uma forma de violência que não chega a lesionar a integridade física ou a saúde de uma pessoa. Se o agente produzir um insulto dessa forma, ou seja, com violência, há concurso da injúria com o delito de lesões corporais. Circunscrevendo-se, unicamente, às vias de fato, fica a contravenção absorvida pela injúria chamada real.

O § 3º, do citado artigo, prevê mais uma forma de injúria qualificada. Esta, reconhecida como injúria preconceituosa, diz respeito à injúria praticada com a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Não se confunde a injúria racial ou preconceituosa (art. 140, § 3º, CP) com os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça e cor definidos e punidos pela Lei nº 7.716/1989. O crime de injúria racial, tutela a honra subjetiva da pessoa, enquanto o crime do art. 20 da Lei nº 7.716/1989, por sua vez, é um sentimento em relação a toda uma coletividade em razão de sua origem (nacionalidade) (STJ, RHC 19166/RJ, rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJ 20/11/2006, p. 342).

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Fontes:

GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 5ª ed. Niterói, RJ: Impetus, 2011.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 9ª ed. São Paulo: RT, 2009.


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